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Recente decisão do Magistrado da Justiça Trabalhista de Belo Horizonte, reconheceu o vínculo empregatício entre o motorista e a UBER. Diante dessa nova posição, pergunta-se: Qual seria a melhor definição da relação jurídica contratual entre o motorista Uber e a empresa UBER?

Recentemente, em 13 de fevereiro de 2017, o Juiz Marcio Toledo Gonçalves, da 33º Vara Trabalhista da Justiça do Trabalho de Belo Horizonte, reconheceu o vínculo empregatício entre um motorista e a plataforma de transporte individual Uber.

O magistrado achou por bem, pormenorizar um pequeno contexto histórico das relações de trabalho, em que seu relato inicial deu ensejo ao fordismo como marco primitivo da organização do trabalho; que, posteriormente, foi superado pelo “toyotismo”, e que agora, estaríamos vivenciando a “uberização” como um novo modelo laboral:

A presente lide examina a chamada “uberização” das relações laborais, fenômeno que descreve a emergência de um novo padrão de organização do trabalho a partir dos avanços da tecnologia. Assim, há que se compreender o presente conflito segundo os traços de contemporaneidade que marcam a utilização das tecnologias disruptivas no desdobramento da relação capital-trabalho.[1]

Ocorre que, o fordismo e o toyotismo sofreram mutações em suas aplicações e foram regulados e adaptados aos moldes em que foram apresentados ao sistema jurídico, portanto, entende-se que o mesmo deve ocorrer com o fenômeno da “uberização”, pois, se é pretensão da justiça trabalhista regular essa nova relação, que esta regulação seja de modo que solucione os paradigmas criados por esse novo fenômeno.

icmsConforme se sabe, a Uber é um modelo disruptivo de mercado, ou seja, o serviço de transporte particular que há décadas é dominado pela classe taxista, hoje se apresenta em forma de aplicativo de celular como meio de custo-benefício para todas as partes envolvidas.

O mercado é competitivo, então ideias inovadoras surgiram para que esses trabalhadores pudessem ganhar destaque no meio comercial. Eis que surgem, também no setor de transporte particular, os aplicativos do EasyTaxi, 99 Taxis, Cabify e outros. Até mesmo as cooperativas de táxis passaram a aderir os aplicativos para facilitar o atendimento ao cliente.

Conforme relata o Doutrinador Trabalhista Sergio Pinto Martins:

As novas tecnologias não estão fazendo desaparecer a subordinação jurídica. Há apenas necessidade de se adaptar a legislação existente diante dessas novas tecnologias ou então editar lei especifica para tratar do assunto. […].[2]

Portanto, o que ocorre com a UBER, não pode se dizer que seja uma relação de emprego. Sim, há uma relação de trabalho, mas que não atende o vínculo exigido pela pátria justiça trabalhista, pois, conforme se visa no art. 3º da Consolidação das Leis Trabalhistas, o empregado é “toda pessoa física que presta serviços de natureza não eventual a empregador, sob dependência deste e mediante salário“, ou seja, as relações de emprego são caracterizadas em ser pessoa física, haver pessoalidade, não eventualidade, onerosidade e subordinação. Características essas, que não estão presentes na relação do motorista Uber com a Empresa UBER.

Primeiro que, não há uma subordinação, e sim, uma colaboração, entre o motorista e a UBER. Observe.

O individuo contata a UBER para que este possa fazer parte do grupo que circula pelo aplicativo de transporte. Na medida em que a Empresa UBER concede maior oportunidade de corridas ao motorista, este mesmo motorista concede, contratualmente, à Empresa UBER, uma pequena porcentagem do quantum de cada corrida.

Essa “colaboração”, também pode ser entendida como uma parasubordinazione. Parasubordinazione advém do italiano, que quer dizer “Parassubordinação”, ou seja, seria uma relação que estaria além da subordinação.

A diferença básica entre a parassubordinação e a subordinação é que a primeira diz respeito a um regime de colaboração entre as partes e não exatamente de subordinação, pois há autonomia na prestação de serviços. O regime de colaboração pressupõe que as partes têm objetivos em comum a ser atingidos. A coordenação mostra a ideia de “ordenar juntos” […].[3]

Portanto, “se o trabalhador é colaborador, não tem subordinação, mas autonomia”.[4]

icmsE, nesta mesma esteira, além de inviável a caracterização dessa relação como subordinada, também não há que se falar em onerosidade, visto que não há um salário predeterminado, e sim lucros que variam de acordo com a demanda de corrida.

A onerosidade na relação de emprego ocorre quando há uma pessoa prestando serviço para alguém, e esse alguém, deve realizar o pagamento de um valor fixo, do serviço prestado. É uma relação unilateral de prestação de serviço. Relação esta que não ocorre quando se trata da UBER, posto que, conforme dito há uma relação de troca, em que ambos visam lucro.

A não eventualidade depende de dias fixos e horários pré-estabelecidos para que seja caracterizado, o que não se visualiza, mais uma vez, no fenômeno da “uberização”, tendo em vista que, o motorista UBER é uma espécie de autônomo, ou seja, ele mesmo faz seus horários e define seus dias a serem trabalhados conforme sua necessidade.

E, por fim, ser pessoa física e haver pessoalidade, talvez seja as únicas características que se apresentem a esta relação. Pois, quando o individuo contata os serviços da UBER, para que seja realizada essa troca de informação, é gerado um contrato, em que ambas as partes passam a serem detentoras de direitos e obrigações regidas por essa relação contratual. Por tanto, ser pessoa física possa ser uma exigência contratual, bem como a prestação pessoal do serviço.

O que se observa, é que há uma relação contratual, entretanto, não nos moldes empregatícios da justiça trabalhista brasileira, e sim, nos moldes do nosso código cível.

A era da “uberização”, advém do novo modelo econômico da economia das trocas ou economia do compartilhamento, que até o presente momento tem expandido paradigmas socioeconômicos em nosso ordenamento pátrio, visto que, trata-se de relações inovadoras, tanto no âmbito comercial quanto no âmbito trabalhista.

Essas novas economias combinam práticas ancestrais colaborativas com métodos tecnológicos contemporâneos de comunicação, e podem ser chamadas de “consumo colaborativo/compartilhado”. São compostas por sistemas sociais e econômicos que surgiram com o desenvolvimento das tecnologias web e que possibilitam aos indivíduos compartilhar e negociar posses, recursos e habilidades em diferentes formas e escalas que, até agora, eram impossíveis de se efetivar. […] que denuncia o hiperconsumismo e fortalece o aproveitamento de objetos e materiais (waste not, want not) […][5].

Infelizmente, até o momento, sequer há debates a respeito das regulações para esse novo fenômeno, senão adequar aos moldes tradicionais do nosso ordenamento, o que acaba por retardar os avanços que a tecnologia tenta impor a essas relações ultrapassadas.

Diante da ausência de parâmetros legislativos para adequar esse fenômeno à sua forma em que se apresenta, e o que temos mais próximo da nossa ordem jurídica, são os contratos previstos no código civil de 2002.

Se formos observar as espécies das relações contratuais, a melhor forma de regular essa “uberização”, seria através de uma adaptação dos contratos sinalagmáticos com os contratos de adesão, visto que, ao mesmo tempo em que é gerada uma relação bilateral de direitos e garantias, há também, uma imposição unilateral nessa troca de serviço, ou seja, há uma adesão que por outro lado, obriga os contratantes a cumprirem com suas obrigações sob pena de resolução contratual.

Portanto, o motorista que contrata com a UBER, estará aderindo os termos exigidos pela UBER, bem como a UBER deverá prestar seus serviços sem prejuízo aos motoristas e vice e versa.

Do exposto, entende-se que há muito que se questionar antes de proferir uma decisão tal qual proferiu a Justiça Trabalhista Mineira. A discussão vai além do que termos normatizado atualmente, decisão esta que vai além do Judiciário e requer atenção também dos Poderes Executivo e Legislativo para que este fenômeno seja regularizado e interpretado da melhor forma, sem prejuízos para as partes, nos moldes do custo-benefício de mercado e, principalmente, respeitando os nossos Princípios Constitucionais.

Fonte: Jusbrasil