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Vamos avaliar a validade dos atos praticados pela pessoa jurídica com excesso de poderes. De uma maneira geral, são os administradores que na maioria dos casos praticam os atos pela sociedade. Todavia, nem sempre esses administradores agem dentro de seus poderes, surgindo a discussão se, nesse caso, o ato poderá ser imputado à sociedade ou apenas aos administradores.

Com o Código Civil de 2002, foi acolhida a teoria “ultra vires”, que afirma que a sociedade não se vincula se os atos foram evidentemente estranhos ao objeto social. Dessa forma, de acordo com a interpretação literal do artigo 1.015, III do Código Civil, qualquer ato praticado em nome da pessoa jurídica, por seus sócios ou administradores, que ultrapassasse seus poderes, é nulo. Ao terceiro, caberia apenas mover ação contra aquele que extrapolou os limites sociais.

Nesses casos, há um conflito entre o interesse da sociedade e dos terceiros. Há uma corrente que defende que a sociedade deveria estar vinculada perante terceiros de boa-fé, pelos atos praticados pelo administrador, proibidos pelo contrato social, ou mesmo estranhos a este. A sociedade responderia perante terceiros e, posteriormente, faria um acerto de contas com o administrador que extrapolou seus poderes. Apenas a má fé do terceiro deveria excluir a responsabilidade da sociedade.

Em contraposição à teoria ultra vires, temos a teoria da aparência, mais modernamente, com caráter mais protetivo ao terceiro de boa-fé que contrata com a sociedade.

Nessa linha, o terceiro de boa-fé que justificadamente desconhecia as limitações do objeto da sociedade e com esta contrata, tem o direito de exigir o cumprimento do negócio jurídico, ensejando à sociedade ação regressiva contra quem praticou o ato.

Diante do exposto, para a teoria ultra vires, o ato praticado fora dos poderes delimitados é nulo e, ao contrário, na teoria da aparência, o ato é válido e obriga a pessoa jurídica.

Da interpretação sistemática dos artigos 47 e 1.015 do Código Civil concluímos que há liberdade para a prática de todos os atos pertinentes à gestão da sociedade. O terceiro, todavia, deve ter o cuidado de buscar no órgão específico os atos constitutivos da sociedade para se certificar da existência de alguma limitação (inciso I do art. 1.015).

Por outro lado, o inciso II do art. 1.015 do mesmo Código dá ensejo à aplicação da teoria da aparência invertendo-se à empresa o ônus da prova da ciência da limitação pelo terceiro. Além disso, o inciso III do mesmo artigo impõe ao terceiro o ônus da prova da regularidade do negócio.

Em resumo, concluímos que a teoria ultra vires veio consagrada pelo Código Civil, mas não é aplicada de forma absoluta, de acordo com o nosso STJ e o Conselho da Justiça Federal, que inclusive já criou enunciado nesse sentido como veremos em seguida.

O Enunciado 219, criado na III Jornada de Direito Civil, promovida pelo Conselho da Justiça Federal determina que: “Está positivada a Teoria Ultra Vires no Direito brasileiro, com as seguintes ressalvas: (a) o ato ultra vires não produz efeitos apenas em relação à sociedade; (b) sem embargo, a sociedade poderá, por meio de seu órgão deliberativo, ratificá-lo; (c) o Código Civil amenizou o rigor da Teoria Ultra Vires, admitindo os poderes implícitos dos administradores para realizar negócios acessórios ou conexos ao objeto social, os quais não constituem operações evidentemente estranhas aos negócios da sociedade (…)”.

Assim, o STJ e demais Tribunais brasileiros tem buscado um equilíbrio entre a teoria ultra vires e a da aparência, levando em consideração a dinâmica das relações, a segurança dos atos jurídicos e a proteção equilibrada ao terceiro de boa-fé.

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Fonte: Jusbrasil