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Nos casos envolvendo pessoas em situação de miserabilidade, a interrupção do serviço é absolutamente proibida, em respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana.

Para alguns autores, como Rizzatto Nunes, os serviços públicos essenciais não podem ser interrompidos sob pretexto algum. (Divulgação)

Um dos temas mais debatidos no âmbito das relações de consumo diz respeito à prestação dos serviços públicos considerados essenciais e, especialmente, à possibilidade de interrupção desses serviços em caso de inadimplemento do consumidor.

É bom esclarecer que nem todo serviço público é essencial. Há serviços públicos que são burocráticos, envolvendo basicamente o funcionamento da máquina estatal. É o caso do fornecimento de certidões, alvarás e outros, emitidos por repartições públicas e órgãos de fiscalização.

Além disso, nem toda prestação de serviço público se caracteriza como relação de consumo e, por isso, há aqueles que não se sujeitam às normas do Código de Defesa do Consumidor (CDC). Nesse exemplo estão os serviços judiciários e de segurança pública, que são prestados diretamente pelo Estado, através de seus agentes, não havendo, portanto, uma relação de consumo, pois não há um consumidor propriamente dito, mas sim um contribuinte que usufrui de um serviço mantido pelos cofres públicos, com as receitas obtidas mediante a arrecadação de tributos.

Há, contudo, serviços que são prestados por particulares – normalmente sociedades empresárias – em que o Estado transfere a estas pessoas, mediante concessão, a exploração de alguns serviços públicos, como o fornecimento de água tratada e energia elétrica. A esses serviços aplicam-se as normas do CDC, uma vez que são remunerados diretamente pelo consumidor, normalmente mediante o pagamento de tarifa e não de um tributo. Sendo assim, se o serviço público for prestado por uma concessionária, haverá relação de consumo, conforme já se manifestou o Superior Tribunal de Justiça (STJ) nos seguintes julgados:

A relação entre concessionária de serviço público e o usuário final para o fornecimento de serviços públicos essenciais é consumerista, sendo cabível a aplicação do Código de Defesa do Consumidor. Precedentes: REsp 1595018/RJ, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 18/08/2016, DJe 29/08/2016; AgRg no REsp 1421766/RS, Rel. Ministro Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1ª Região), Primeira Turma, julgado em 17/12/2015, DJe 04/02/2016; REsp 1396925/MG, Rel. Ministro Herman Benjamin, Corte Especial, julgado em 05/11/2014, DJe 26/02/2015; AgRg no AREsp 479632/MS, Rel. Ministra Assusete Magalhães, Segunda Turma, julgado em 25/11/2014, DJe 03/12/2014; AgRg no AREsp 546265/RJ, Rel. Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, julgado em 07/10/2014, DJe 15/10/2014; AgRg no AREsp 372327/RJ, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Primeira Turma, julgado em 05/06/2014, DJe 18/06/2014.

Por sua vez, a essencialidade do serviço se define segundo a sua indispensabilidade para a satisfação de necessidades básicas e inadiáveis da comunidade, sem os quais restariam comprometidos, especialmente, a saúde da população e o meio ambiente equilibrado. Isto é, fatores diretamente relacionados à dignidade da pessoa humana e, em última análise, ao próprio direito à vida. Daí a necessidade de que o fornecimento desses serviços seja contínuo, nos termos do artigo 22 do CDC.

Para alguns autores, como Rizzatto Nunes, os serviços públicos essenciais não podem ser interrompidos sob pretexto algum, pois a lei consumerista não faz qualquer ressalva em seu texto para autorizar a suspensão do serviço (Comentários ao Código de Defesa do Consumidor, 8ª ed., São Paulo: RT, 2015).

Entretanto, de encontro às normas consumeristas, há diplomas legislativos que preveem a possibilidade de interrupção no fornecimento em caso de inadimplemento do usuário de serviços públicos essenciais pelas concessionárias. De início, a própria Lei das Concessões Públicas (Lei 8.987/95) admite a descontinuidade do serviço (artigo 6º, inciso II, parágrafo 3º). A Lei 9.427/96, que disciplina a concessão do serviço de fornecimento de energia elétrica, permite a suspensão do serviço por falta de pagamento (artigo 17). No tocante à interrupção do serviço de fornecimento de água, a lei 11.445/07 prevê expressamente sua possibilidade (artigo 40, inciso V).

Fato é que a jurisprudência dos nossos tribunais, em especial a do STJ, admite a interrupção de serviço público essencial em caso de inadimplemento do consumidor. Porém, deve a concessionária observar alguns requisitos para que não haja abuso do direito de suspender o serviço nem abuso na cobrança do débito, o que, de acordo com o caso, viola o disposto no artigo 42 do CDC, ao estabelecer que “na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça”.

Em casos envolvendo o fornecimento de energia elétrica, por exemplo, é possível o corte no fornecimento, desde que o consumidor seja previamente notificado (STJ, REsp 604364/CE, Rel. Ministro Luiz Fux, DJ 21/06/2004).

Para serviços públicos essenciais em geral, se o usuário for pessoa jurídica de Direito Público, permite-se a interrupção, desde que sejam preservadas as unidades públicas provedoras de necessidades inadiáveis da população, como hospitais, prontos-socorros, escolas, creches (STJ, REsp 791713/RN, Rel. Ministro Castro Meira, DJ 01/02/2006).

Ressalta-se, ainda, que o inadimplemento deve ser atual, sendo vedada a interrupção do serviço por débitos antigos como meio de coerção para a quitação do débito (STJ, AgRg no REsp 820665/RS, Rel. Ministro José Delgado, DJ 08/06/2006).

Por fim, nos casos envolvendo pessoas em situação de miserabilidade, a interrupção do serviço é absolutamente proibida, em respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana (STJ, REsp 684442/RS, Rel Ministro Luiz Fux, DJ 05/09/2005).

Conclui-se, então, que o fornecimento de água e energia elétrica são considerados serviços públicos essenciais, por envolverem a satisfação de necessidades básicas e inadiáveis da população, as quais estão diretamente relacionadas à dignidade da pessoa humana. A relação entre os usuários desses serviços e as respectivas concessionárias é de consumo, pois são serviços remunerados diretamente pelos usuários, submetendo-se, portanto, ao regramento do Código de Defesa do Consumidor.

Quanto à possibilidade de interrupção do serviço essencial em caso de inadimplemento do consumidor, apesar das críticas de respeitáveis juristas a respeito do tema, foi visto que as leis que regulam cada setor permitem a descontinuidade do fornecimento, o que é corroborado pela jurisprudência, com algumas ressalvas, conforme cada caso.

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Fonte: Jusbrasil