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O interesse em escrever o presente artigo se deu inicialmente pelas memórias da infância, quando assistia policiais de ação, como por exemplo, “Donnie Brasco”, baseado em fatos reais, onde se retrata o ponto de vista do agente policial Joe Pistone, que se infiltra em uma organização criminosa nova-iorquina e assim auxilia em recorde condenação de mafiosos. Nas palavras do Dr. Wellington Cabral Saraiva (2015, p. 207):

“Um dos casos mais bem-sucedidos de infiltração na história contemporânea, pelo número de condenações que gerou, o trabalho de Joe Pistone não foi simples durante nem depois de sua conclusão. Ele passou seis anos sem voltar ao escritório do FBI no qual era lotado. Seus registro foram apagados e seus colegas foram orientados a informar que não havia ali pessoa com esse nome. A família dele teve de mudar-se quatro vezes durante a infiltração, ele passou meses sem a ver e findou por pedir exoneração antes de obter aposentadoria, alegando sofrer ameaças.”

Vale mencionar também a série mexicana reproduzida pela Netflix chamada “Dandy”, que também conta a história de um policial infiltrado nas organizações criminosas mexicanas.

Antes de adentrar ao assunto do artigo, deve ser feita distinção entre: 1) Agente Infiltrado: policial disfarçado que consegue a confiança dos criminosos investigados e obtém as provas necessárias dos crimes cometidos; 2) Agente Provocador: policial que incita, instiga e induz o suspeito a realizar atos ilícitos; e 3) Agente Encoberto: também conhecido como “polícia a paisana”, ou seja, policial travestido de civil, o qual começa a ir a determinados lugares à espera de cometimento de crime para proceder com o flagrante.

Das três figuras acima descritas, apenas o Agente Provocador é inaceitável no ordenamento jurídico brasileiro, pois desvirtua e vicia a espontaneidade da ação criminosa. Desse modo, não pode ser utilizada as provas obtidas por um Agente Provocador em um futuro processo penal.

A figura do agente infiltrado tem origem nas monarquias absolutistas europeias, principalmente no absolutismo francês, no período de Luís XIV. Entretanto, tal posicionamento não é pacífico, pois existem autores que defendem que a origem se dá na Alemanha, outros na bíblia (no livro 13 do Antigo Testamento), quando Moisés envia exploradores às terras de Canaã. Há ainda quem defenda que se deu na Antiguidade grega (na fábula V de Esopo: Aesopus et petulans).

Importante destacar o trabalho realizado pelo Dr. Michael Levine chamado “Undercover Operations and Informant Handling – Student Manual”, onde lista os 15 mandamentos para a sobrevivência secreta, quais sejam:

“1º Mandamento: Nenhum caso vale a minha vida, meu trabalho ou minha família;

2º Mandamento: O agente infiltrado deve atuar como um jogador de equipe e não como o diretor que indica qual rumo deve ser tomada a investigação;

3º Mandamento: O diretor/supervisor da equipe de infiltração deve ter ampla experiência sobre agente infiltrado ou consultar com oficiais experientes sobre o assunto;

4º Mandamento: Aprenda tudo o que for possível sobre seu alvo com seu informante ou na base de dados constante na agência, com foco em sua propensão para violência, deve consultar oficiais com talento para manuseio de informações;

5º Mandamento: Nunca confie no informante – ouça e verifique tudo o que é possível verificar, e acima de tudo: controle o informante. Tenha em mente que existem circunstâncias que a morte do agente infiltrado trabalhará em benefício do informante;

6º Mandamento: Sempre tenha um plano reserva de forma escrita ANTES de ir para local. Deve ser marcado uma sessão de planejamento em grupo com vários “e se isso acontecer” com o grupo inteiro pensando em todas as possibilidades;

7º Mandamento: Sempre discutir e treinar em caso de haver operação, assegurando que cada agente saiba e compreenda a sua atribuição no momento crítico;

8º Mandamento: O líder da equipe deve sempre terminar a operação no instante que o planejado (plano de jogo) for violado;

9º Mandamento: O agente infiltrado nunca deve operar em uma atribuição estendida sem uma próxima supervisão, contato e controle de um gerente que tenha um registro comprovado de experiência na área de serviço secreto;

10º Mandamento: O agente infiltrado deve sempre pensar na “segurança” – sua segurança e dos agente/oficiais que o cobrem;

11º Mandamento: O agente infiltrado deve sempre pensar em “testemunho” – qualquer um pode ‘se safar’, a menos que o agente infiltrado esteja preparado para vencer no tribunal, todo o trabalho é inútil;

12º Mandamento: O agente secreto deve sempre medir cada ação e declaração contra a seguinte pergunta: Eu faria ou diria o que eu estou a ponto de dizer se eu fosse um verdadeiro criminoso?

13º Mandamento: Nunca utilize equipamento (todos os equipamento, desde armar a dispositivos eletrônicos), ao menos que você seja completamente familiarizado e praticado o seu uso, e certo de que vai funcionar sob as condições na qual você está prestes a arriscar vidas. Acima de tudo, nunca entrar em cena dependendo apenas de dispositivo eletrônico para a sua segurança;

14º Mandamento: Sempre faça pré-operação de vigilância, especialmente em uma operação ‘comprar e prender’. Mais cedo ou mais tarde vai salvar uma vida. Salvou a minha;

15º Mandamento: É melhor ser julgado por doze do que ser carregado por seis.”

Em relação à positivação legal do agente infiltrado, se deu por dispositivo na Convenção de Viena das Nações Unidas sobre o tráfico ilícito de drogas em 1988.

Destarte, o agente infiltrado é permitido por lei em vários países no mundo, como por exemplo: Alemanha, Argentina, Austrália, Áustria, Bélgica, Canadá, Chile, Colômbia, Espanha, Estados Unidos, França, México, Países Baixos, Peru, Portugal, Reino Unido e Suíça, conforme discriminado pelo Dr. Wellington Cabral Saraiva (2015, p. 222).

Contudo, ao se aprofundar sobre o tema, percebeu-se que o meio de obtenção de prova por meio de agente infiltrado não é muito utilizado no Brasil, apesar da edição da Lei nº 12.850/13, que dispõe sobre organização criminosa, investigação criminal, meios de obtenção de prova, infrações penais correlatas, procedimento criminal e outras providências, e da Lei 11.343/06, que trata das políticas públicas sobre drogas, medidas de prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas, repressão ao tráfico ilícito de drogas.

Por conseguinte, ao interpretar tais leis, pode-se afirmar que no Brasil a figura do agente infiltrado pode ser utilizada nas seguintes ocasiões específicas: a fim de combater organização criminosa; o terrorismo (art. 1º, § 2º, inciso II, da lei 12.850/13), as infrações penais previstas em tratado ou convenção internacional que tenha iniciado a execução no Brasil e o resultado seja no estrangeiro ou reciprocamente (art. 1º, § 2º, inciso I, da lei 12.850/13); e o tráfico de drogas. Assim, podemos entender, por previsão legal, que não se pode utilizar a figura do agente infiltrado para qualquer infração penal, mas só para aquelas expressamente previstas no ordenamento jurídico, conforme se depreende dos artigos 10 a 14, da Lei nº 12.850/13 e artigo 53, inciso I, da Lei 11.343/06.

Ressalta-se que organização criminosa é a associação de quatro ou mais pessoas com estrutura ordenada, com divisão de tarefas, mesmo que informal, com o objetivo de ter vantagem de qualquer natureza, mediante prática de infrações penais cuja pena máxima seja superior a quatro anos (art. 1ª, § 1º, da Lei 12.850/13).

Já o terrorismo consiste na prática de determinados atos previstos na Lei nº 13.260/16 de um ou mais indivíduos por razão de xenofobia, discriminação, preconceito de raça, cor, etnia e religião (art. 2º da Lei 13.260/16).

Dessa maneira, muitos operadores do direito têm receio de que a utilização do agente infiltrado, por ser uma prática extremamente invasiva, a qual pode ferir direitos e garantias individuais, como por exemplo, direito a privacidade e intimidade, direito ao silêncio, direito de não ser obrigado a colaborar com a acusação ou a policia (no sentido de não incriminar-se), direito a inviolabilidade do domicílio e de correspondência, do princípio do nemo tenetur se detegere (direito de não produzir prova contra si mesmo) e do princípio da paridade de armas.

Entretanto, peço licença aos colegas advogados, mas me filio à interpretação dada pelo Dr. Wellington Cabral Saraiva (2015, p. 219), no qual afirma:

“Sem prejuízo do necessário respeito aos direitos fundamentais, não se pode esquecer que a eficiência da ação estatal é também princípio constitucional (art. 37, caput, da Constituição da República), que, naturalmente, abrange o campo da segurança pública e do sistema de justiça criminal.”

Logo, entendo que, sopesando os direitos fundamentais do criminoso e o dever estatal de punir os crimes praticados e de proteger os seus cidadãos, deve prevalecer a reprimenda ao criminoso, para que se garanta o bem geral da sociedade. Nas palavras do Dr. Wellington Cabral Saraiva (2015, p. 219):

“Devido à gravidade e à disseminação de certas condutas delitivas, os ordenamentos jurídicos de diversos países admitiram essa técnica de investigação, por motivos eminentemente utilitaristas, de proteção mais eficiente da própria sociedade contra crimes graves.”

Por outro lado, inegável que o agente infiltrado, no curso da investigação, tenha que cometer atos criminosos e desempenhar o papel esperado por eles para adquirir a confiança dos investigados. Desse modo, o artigo 13, parágrafo único, da Lei 12.850/2013, consigna que o agente infiltrado não responde penalmente por ilícitos praticados no curso da investigação, se lhe for inexigível conduta diversa.

Relevante ser destacado a expressão “inexigível conduta diversa”, pois impõe limites ao agente, conforme brilhantemente demonstrado pelo Dr. Vinícius Abdala (2014, p. 36):

“Todavia, de acordo com Damásio de Jesus e Fábio Ramazzini, independentemente da teoria adotada para justificar a isenção de responsabilidade do agente infiltrado, mister se faz a configuração de alguns requisitos: a) a atuação infiltrada necessita ser autorizada por um magistrado; b) o agente infiltrado não pode induzir ou instigar os membros da organização criminosa a cometer crimes, uma vez que tal atitude configuraria provocação; e c) os atos praticados pelo agente infiltrado devem ser uma consequência necessária e indispensável para o desenvolvimento da investigação, de modo a evitar abusos e excessos.”

Diante de tais características, cabe aos operadores do Direito observar as peculiaridades no caso concreto para assim observar a legalidade ou não dos atos praticados pelos investigados e pelo agente infiltrado.

Por óbvio, o agente deve assumir identidade fictícia para conquistar a confiança dos investigados. Dr. Wellington Cabral Saraiva (2015, p. 205) o conceitua como:

“Agente infiltrado ou agente encoberto é o investigador (na maioria dos casos, policial) que, com a autorização competente, assume identidade fictícia no curso de investigação criminal e se incorpora, de forma mais ou menos próxima, a atividade criminal em andamento, por maior ou menor período, para conquistar confiança dos investigados, com a finalidade de obter elementos que de outro modo dificilmente se conseguiriam. Consiste em uma das chamadas técnicas especiais de investigação (TEI).”

Superada a possibilidade da utilização do agente infiltrado por parte do Estado para a obtenção de provas que desvendem crimes de difícil desenlace, vamos adentrar aos requisitos para empregar o agente infiltrado no Brasil, quais sejam:

I – O Agente Infiltrado deve ser policial

No Brasil o agente infiltrado deve ser policial, conforme estipulado no artigo 3º, inciso VII, e artigo 10, caput, ambos da Lei 12.850/13.

Nesse contexto, a lei restringe a utilização da técnica de produção de prova, por meio do agente infiltrado, pois não permite ser utilizado, por exemplo, um agente do fisco para investigação de crime tributário, o que seria mais racional.

II – Representação do Delegado de Polícia ou requerimento do membro do Ministério Público

Por lei, para ser utilizada a técnica especial de investigação por meio de agente infiltrado deve haver representação pelo Delegado de Polícia ou requerimento do Ministério Público, com a indicação da devida circunstância, com motivação e sigilosa autorização judicial, que estabelecerá os limites da investigação, sendo este o teor do caput do artigo 10 da Lei nº 12.850/13.

Nesse ponto, este subscritor diverge do entendimento perfilado por ínclito Wellington Cabral Saraiva, que defende a necessidade de prévia concordância do Ministério Público. Todavia, a lei consigna expressamente que o delegado de polícia pode solicitar tal obtenção de prova.

Assim, acredito que o Delegado possa ter “faro” que o representante do Ministério Público e solicite a utilização do agente infiltrado mesmo com a discordância do Parquet, o que deverá ser apreciado pelo magistrado.

III – Prazo da investigação pelo agente infiltrado

A lei conferiu prazo para atuação da figura do agente infiltrado, para que não permaneça ad aeternum numa investigação.

Desse jeito, a lei prevê de forma expressa o prazo de seis meses, podendo ser prorrogado em caso de necessidade, conforme estipula o artigo 10, § 3º, da Lei 12.850/13.

Durante o tempo do trabalho da infiltração, o Ministério Público e o Juiz devem ter conhecimento do andamento, do estado e resultados parciais da investigação, bem como dos motivos para renovação do prazo.

IV – Necessidade da medida

Para ser utilizado o meio de obtenção de prova por meio de agente infiltrado, devem estar expressos no pedido de autorização da infiltração os indícios da infração e a necessidade da investigação, por impossibilidade de ser produzida por outros meios, conforme determina o § 2º, artigo 10 e o caput do artigo 11, ambos da Lei 12.850/13.

Portanto, a lei confere o caráter subsidiário e complementar à infiltração, sendo técnica de investigação excepcional, que não deve ser utilizada além das situações de estrita necessidade.

V – Alcance das tarefas

No requerimento da investigação policial deve estar descrito o alcance das tarefas que serão desempenhadas pelos agentes, conforme o artigo 11 da Lei 12.850/13. Naturalmente, se for necessário a alteração ou ampliação do escopo da investigação, deve haver nova provocação do Delegado de Polícia ou do Ministério Público e nova apreciação pelo órgão jurisdicional.

Se eventualmente não houver, as provas obtidas podem ser anuladas, por se configurem ilícitas.

VI – Nomes ou apelidos das pessoas investigadas

Como no item acima, deve estar consignado na provocação da autoridade policial ou do Ministério Público o nome ou apelido das pessoas investigadas, nos termos do artigo 11 da Lei 12.850/13. Do mesmo modo, se no decorrer da infiltração forem descobertas novas pessoas, pode haver alteração ou ampliação do escopo da investigação, devendo ter nova provocação do Delegado de Polícia ou do Ministério Público e apreciação pelo órgão jurisdicional, sob pena de anulação das provas obtidas.

VII – Indicação do local onde ocorrerá a investigação

No requerimento ou representação deve estar descrito o local da infiltração, sendo o teor da parte final do caput do artigo 11 da Lei 12.850/13.

Tal assertiva legal deve ser observada com certa cautela, pois o agente pode necessitar se descolar para atuar de forma que não desperte a atenção dos investigados.

Por isso, não são poucas as vezes em que o agente infiltrado tem que viajar para vários Estados, ou até mesmo, países. As provas obtidas devem ser apreciadas com bastante cuidado, pois a autorização judicial muitas vezes não abarca tais locais.

Para garantir a lisura da investigação, o agente infiltrado deve relatar os fatos com a maior brevidade possível às autoridades para permitir o controle a posteriori do órgão judicial.

Cabe aos advogados de defesa, por sua vez, observar se houve o controle a posteriori. Se este eventualmente não tiver ocorrido, pode ser pleiteada a desconsideração das provas obtidas nos locais não autorizados pelo Poder Judiciário.

Portanto, a lei brasileira permite a técnica especial de investigação por meio do agente infiltrado caso preenchidos os requisitos, como por exemplo, observar se o crime cometido permite ser investigado por agente infiltrado, o agente ser policial, constar a representação do Delegado de Polícia ou requerimento do Membro do Ministério Público, a observância do prazo da investigação, a demonstração da necessidade da medida, a descrição do alcance das tarefas, a designação dos nomes ou apelidos das pessoas investigadas e a indicação do local onde ocorrerá a investigação.

Preenchidas as condições exigidas por lei, pode-se utilizar a técnica especial de investigação por meio do agente infiltrado, que realizará o seu trabalho, podendo recusar ou fazer cessar a infiltração a qualquer momento (art. 14, inc. I, da Lei 12.850/13).

Após a obtenção das provas suficientes, inicia-se a fase processual, na qual os investigados responderão ao processo penal com as provas obtidas pelo agente infiltrado, além do seu testemunho, o qual será levado em consideração pelo juízo para condenar ou absolver os investigados.

Para garantir a integridade física do agente infiltrado e de sua família, o policial investido nessa função tem direito a ter sua identidade alterada, bem como seu cônjuge ou companheiro, ascendentes, descendentes e dependentes, bem como usufruir das medidas de proteção a testemunhas, além de ter seu nome, sua qualificação, sua imagem, sua voz e demais informações pessoais preservadas durante a investigação e no processo criminal, salvo se houver decisão judicial em contrário.

Ainda, sem a sua prévia autorização por escrito, conforme consta nos incisos I, II, III e IV, do artigo 14, da Lei 12.850/13, sua identidade não poderá ser revelada, tampouco poderá fotografado ou filmado.

A técnica de investigação por meio de agente infiltrado é uma prática invasiva, mas com enorme potencial de elucidar crimes de grande complexidade e de poder por parte dos criminosos. Sendo observados os requisitos legais têm potencial para combater a ação de criminosos e proteger a sociedade. Há previsão legal, porém pouco uso, até o momento, no Brasil.

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Escrito por: Daniel Silva

Fonte: Jusbrasil