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Há pouco tempo fui questionado sobre a existência do instituto Legitima Defesa da Honra, tema este que há décadas ronda o imaginário popular e que, de fato, serviu de tese para absolvição de acusados, principalmente quando ligados ao tribunal do júri e, especificamente, aos crimes passionais.

Mas tal instituto existe? A resposta em princípio poderá causar certa estranheza, mas, sim, existe! É bem verdade que, na maioria das vezes, a legítima defesa da honra está ligada aos crimes passionais, mas não se resume a eles. E desde já adianto que, quando se trata de crimes motivados por suposto “amor”, não deve ser aplicado tal tese defensiva, ou melhor, não deveria.

A verdade é que o art. 25 do CP, que trata da legítima defesa, não identifica qual bem jurídico deverá ser objeto de proteção, bastando que exista uma injusta agressão, e que a pessoa se utilize dos meios necessários e de forma moderada, visando repelir a injusta agressão.

Então imaginemos a seguinte situação: determinada pessoa indo ao supermercado e é surpreendido com diversas acusações pelo microfone, sendo acusado de furto. Imediatamente, o ofendido vai até o microfone e faz cessar a injusta agressão, usando de força física. Perceba-se que fazer falsa imputação de ato/fato definido como crime caracteriza-se crime de calúnia definido no art. 138 caput do CP.

Imaginemos outra hipótese, em que determinada mulher é surpreendida e levada por um homem ate o matagal, para lá estuprá-la. Chegando lá, no afã de tentar desvencilhar-se do ataque, acerta o agressor com uma pedra na cabeça, vindo este a desmaiar, continuando a vítima com sequência de ataques com a pedra, vindo o seu agressor a óbito por traumatismo craniano. Para a defesa, estariam à sua disposição duas teses, a saber:

1. Exclusão da culpabilidade por inexigibilidade de conduta diversa: Para esta linha de defesa, a vítima estaria atuando em legítima defesa. Entretanto, ao matar seu agressor estaria agindo em excesso, sendo o excesso justificado pelo temor e medo causado à vítima, não lhe sendo exigido agir de maneira diferente. Trata-se, portanto, de causa supra legal de excludente de culpabilidade, denominado pela doutrina de “excesso exculpante”.

2. Legitima defesa da honra: Pois o que pretendia a vítima, ainda que inconsciente, era proteger a sua honra, materializada pela dignidade sexual, pois todos tem o direito de relacionar-se sexualmente com quem queira, desde que seja consentido pela parte contrária.

Agora, passo a tratar da legitima defesa da honra relacionado aos casos de infidelidade conjugal, que umbilicalmente está ligado aos crimes passionais. Tal tese defensiva era comumente utilizada, tendo como base o art. 27 par.4º do Código Penal Republicano de 1890, que previa não ser criminosos os que acharem-se em estado de completa privação dos sentidos e de inteligência no momento do ato do crime.

Cleber Masson ensina que:

com base neste dispositivo legal, os passionais eram comumente absolvidos, sob o pretexto, de que, ao encontrarem o cônjuge em flagrante adultério, ou movidos por elevado ciúme, restavam privados da inteligência e dos sentidos.

Roberto Lyra, conhecido, não por acaso, como o “príncipe dos promotores”, afirma de forma poética, que:

O verdadeiro passional não mata. O amor é, por natureza e por finalidade, criador, fecundo, solidário, generoso. Ele é cliente das pretorias, das maternidades, dos lares e não dos necrotérios, dos cemitérios, dos manicômios. O amor, o amor mesmo, jamais desceu ao banco dos réus. Para os fins da responsabilidade, a lei considera apenas o momento do crime. E nele o que atua é o ódio. O amor não figura nas cifras da mortalidade e sim nas da natalidade; não tira, põe gente no mundo. Está nos berços e não nos túmulos.

Atrevo-me a dizer que o trivial é o amor não descer ao banco dos réus. Destarte, em algumas situações, o amor senta-se perante a justiça, pois matou por amor, tentando proteger outro amor. É o caso do amor de pai e mãe, que mata para proteger seu amor mais puro: seu filho (a).

A tese da legitima defesa da honra nos crimes passionais não deveria mais servir como tese absolutória. Contudo, dada as circunstâncias e natureza do crime, são julgados pelo tribunal do júri, sendo o conselho de sentença composto por pessoas leigas e sem conhecimento técnico, decidindo este na maioria das vezes, pelo machismo ou pela emoção.

A emoção, que trata, de sentimento de menos intensidade, passageiro, que submete a pessoa a perturbações temporária do equilíbrio psíquico (MASSON, Cleber, 2014) e paixão, sentimento mais intenso, que se prolonga no tempo e perturba o equilíbrio psíquico do sujeito de forma duradoura, (inveja, avareza) não são, por si só, capazes de afastar a culpabilidade do assassino, possuindo o indivíduo a capacidade de compreender o caráter ilícito da ação ou de se autodeterminar com este entendimento, ainda que tais sentimentos sejam elevados e de alta intensidade.

Neste diapasão, embora não seja causa que fulminaria a imputabilidade, existem exceções a tal regra:

a) coação moral irresistível em face da inexigibilidade de conduta diversa; e

b) estado patológico em se tratando de doença mental.

Aqui, quando a emoção e a paixão tornam-se estado sentimental mórbido, maculado pela cólera e pelo desejo incessante, irremediável e doentio. O passional deverá ser visto como inimputável, devendo lhe ser aplicado medida de segurança, para especial tratamento curativo, pois, há época dos fatos, o passional não tinha condições de conhecer o caráter ilícito da sua ação, ou, conhecendo, não poderia se determinar de acordo com este entendimento.

Por fim, infelizmente, acredito que a ignorância agregada ao machismo ainda impera. A traição se trata de ato vergonhoso para aquele infiel, que acaba caindo no descrédito das pessoas que o cercam, possuindo o companheiro (a) traído (a) outros meios para reparação do mal causado, devendo a esfera penal atuar tão apenas como ultima ratio, punindo aqueles que se acham proprietários da vida alheia.

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Escrito por: Josiel Carvalho

Fonte: Canal Ciências Criminais