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No dia a dia do Direito Penal, muitos assuntos geram dúvidas para quem está estudando ou até mesmo para quem inicia na prática profissional. O concurso de crimes, mais especificamente o concurso material e o concurso formal é um desses temas.

Tem aquele que se confunde com os conceitos, com os nomes, com a forma de aplicação ou outra questão do tipo. Além disso, muitas vezes, pode ser que não conseguiram alguém que explicasse de forma a facilitar o entendimento.

Por isso, com esse texto quero ser o mais direto e o mais simples possível ao diferenciar o concurso material do concurso formal.

O QUE É CONCURSO DE CRIMES?

O primeiro ponto a ser abordado, antes de falar especificamente sobre os dois tipos de concurso de crimes, é sobre o que vem a ser concurso de crimes.

Resumidamente, concurso de crimes é o nome que se dá quando a mesma pessoa pratica mais de um crime, seja com uma só ou com várias ações.

O nosso Código Penal estabelece 03 (três) formas de concurso de crimes, mas nesse texto falarei somente sobre os concursos material e formal:

  • Concurso material (artigo 69 do CP);
  • Concurso formal (artigo 70 do CP); e
  • Crime continuado (artigo 71 do CP).

Esclarecido o que é concurso e quais são as suas hipóteses, passo agora a transcrever os conceitos legais das modalidades que serão abordadas.

Segundo o artigo 69 do CP, ao versar sobre o concurso material:

Art. 69 – Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não, aplicam-se cumulativamente as penas privativas de liberdade em que haja incorrido. No caso de aplicação cumulativa de penas de reclusão e de detenção, executa-se primeiro aquela. (destaques acrescidos)

Já de acordo com o artigo 70 do Código Penal, o concurso formal ocorre:

Quando o agente, mediante uma só ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não, aplica-se-lhe a mais grave das penas cabíveis ou, se iguais, somente uma delas, mas aumentada, em qualquer caso, de um sexto até metade. As penas aplicam-se, entretanto, cumulativamente, se a ação ou omissão é dolosa e os crimes concorrentes resultam de desígnios autônomos, consoante o disposto no artigo anterior.

Necessário, após transcrever os textos legais respectivos, fazer alguns comentários e responder: “qual a diferença entre o concurso material e o concurso formal de crimes?“.

1) QUANTIDADE DE AÇÕES PRATICADAS

Como já disse antes, concurso de crimes é a nomenclatura dada à prática de mais de um crime pela mesma pessoa.

Agora, para diferenciar um tipo de concurso do outro, é importante ter em mente a questão relativa a quantidade de ações praticadas.

Se o agente praticou várias ações que resultaram em mais de um crime, concurso material.

Se ele pratica uma ação só e comete mais de um crime, concurso formal.

2) FORMA DE APLICAR A PENA

Outro ponto que deve ser utilizado para a diferenciação do concurso material do formal é a forma como o tipo de concurso interfere na pena a ser aplicada ao final da dosimetria, visto que dependendo do concurso aplicado as penas podem ser até mesmo somadas.

No concurso material as penas são somadas.

Desse modo, vamos imaginar a seguinte hipótese: uma pessoa é condenada por tráfico de drogas (artigo 33 da Lei 11.343/06) a uma pena de 05 (cinco) anos de reclusão; e por uso de documento falso (artigo 304 do Código Penal) a uma pena de 01 (um) ano de reclusão.

Nesse caso, houve o concurso material de crimes, pois o agente praticou mais de uma conduta (vendeu drogas e usou documento falso) e com elas mais de um crime (tráfico de drogas e uso de documento falso).

Portanto, a pena final aplicada a ele, somadas aquelas aplicadas a cada um dos crimes (5 + 1), será de 06 anos.

No concurso formal, uma só ação foi responsável por mais de um crime. Por isso, em regra, as penas de cada um dos crimes não serão somadas, mas uma delas será acrescida de uma fração que pode variar de 1/6 a 1/2.

Ressalte-se que, segundo a jurisprudência, o fator determinante para a escolha da fração a ser aplicada (de 1/6 a 1/2), no caso concreto, será a quantidade de vítimas ou de crimes concorrentes:

HABEAS CORPUS. ROUBO. ART. 157, § 2.º, INCISOS I E II, DOCÓDIGO PENAL. […]. CRITÉRIO OBJETIVO, VINCULADO AO NÚMERO DE VÍTIMAS. […]. 4. Esta Corte Superior de Justiça possui entendimento firmado no sentido de que “[o] percentual de aumento decorrente do concurso formal de crimes (art. 70 do CP) deve ser aferido em razão do numero de delitos praticados, e não à luz do art. 59 do CP[…]” (HC 136.568/DF, 5.ª Turma, Rel. Min. FELIX FISCHER, DJe de 13/10/2009). […]. (STJ – HC: 173068 RJ 2010/0089797-0, Relator: Ministra LAURITA VAZ, Data de Julgamento: 08/10/2013, T5 – QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 16/10/2013);

Portanto, tendo sido praticados:

  1. 02 (dois) crimes, a fração será de 1/6;
  2. 03 (três) crimes, 1/5;
  3. 04 (quatro) crimes, 1/4;
  4. 05 (cinco) crimes, 1/3;
  5. 06 (seis) ou mais crimes, 1/2.

Para exemplificar um caso de aplicação do concurso formal, nada melhor do que aquele clássico caso do motorista que atropela e mata 03 (três) pessoas que estavam na calçada, cometendo, assim, o crime tipificado no artigo 302 da Lei 9.503/97, três vezes, sendo condenado a uma pena de 02 (dois) anos de detenção em cada um dos crimes.

Vejam, com uma só ação o motorista praticou mais de um crime e, por isso, deverá ser aplicado o concurso formal, à fração de 1/5, por serem 03 (três) crimes, fazendo com que a pena final seja de 02 (dois) anos, 04 (quatro) meses e 24 (vinte quatro) dias de detenção.

Se fosse hipótese de concurso material, as penas dos três crimes seriam somadas, totalizando 06 (seis) anos de detenção.

3) CRIMES DIFERENTES

Ainda com relação ao concurso formal, também há o caso em que os crimes praticados não são iguais e, consequentemente, não tem as mesmas penas, oportunidade em que a fração (1/6 a 1/2) deve ser aplicada na pena mais grave dos crimes praticados.

Utilizando o exemplo do motorista que atropela 03 (três) pessoas, se ele tivesse causado a morte de 02 (duas) e a lesão de 01 (uma), responderia por dois crimes do artigo 302 da Lei 9.503/97 (02 a 04 anos de detenção) e por um crime do artigo 303 da Lei 9.503/97 (06 meses a 02 anos de detenção).

Por serem crimes diferentes, a fração de 1/5 seria aplicada na pena mais graves dos crimes praticados, qual seja, o de homicídio culposo.

4) CONCURSO FORMAL IMPRÓPRIO

Para encerrar esse texto, é importante ficar atento para o fato de que a lei visa dar uma punição menor para aquele que pratica somente um ato e comete mais de um crime. Isso se dá por entender que o agente visa uma só conduta, não interessando a quantidade de delitos.

Só que o mesmo não pode ocorrer em crimes dolosos, quando da prática de “uma só ação, mas o agente intimamente deseja os outros resultados ou aceita o risco de produzi-los” (CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal, parte geral. São Paulo: Saraiva, 2011).

É o caso, naquele outro exemplo clássico, do indivíduo que envenena o reservatório de água de uma cidade, vindo a matar todos os habitantes do local, responda apenas por um dos ilícitos, pois, apesar de ter praticado uma só conduta e mais de um crime, agiu com “desígnios autônomos”, devendo, portanto, serem aplicadas as sanções de forma cumulativa.

Essa é uma hipótese em que o concurso formal se assemelha ao material, nem que seja pela forma que se dará a aplicação da pena.

Nas palavras de DELMANTO, Celso…[ET AL.]. Código Penal Comentado. São Paulo: Saraiva, 2010. P. 317,

Existe tal concurso quando a conduta única, dolosa, foi consequência de desígnios autônomos, isto é, o agente quis mais de um resultado.

Isso é o que se extrai da parte final do artigo 70 do Código Penal, referente ao concurso formal imperfeito, segundo o qual “As penas aplicam-se, entretanto, cumulativamente, se a ação ou omissão é dolosa e os crimes concorrentes resultam de desígnios autônomos, consoante o disposto no artigo anterior”.

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Escrito por: Pedro Magalhães

Fonte: Jusbrasil