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Em se artigo 133, a Constituição traz de maneira bastante singela o papel que resguardou ao advogado na arquitetura do sistema, o concebendo enquanto figura “indispensável à administração da justiça”.

E se tal colocação é verdadeira e tomada quase como dogma nas áreas do direito em geral, é na esfera do direito processual penal que ela encontra o ápice de sua concreção.

Metaforicamente, os processos envolvendo crimes funcionam como uma caixa amplificadora da função do advogado. O causídico é incumbido de tarefas que variam desde “traduzir” os jargões jurídicos para pessoas que muitas vezes são simples e mal compreendem o que está acontecendo, até realizar a efetiva representação, falando em nome daqueles que, não fosse pelo advogado, jamais conseguiriam contar sua própria versão da história.

Entretanto, o que o cotidiano forense demonstra, é que essa função romantizada, infelizmente, não encontra tanta concretização prática. Advogados despreparados ou simplesmente sem empatia acabam não compreendendo o tamanho da responsabilidade que é ter a vida de outras pessoas em mãos, desempenhando sua função de modo insatisfatório e apenas cumprindo os formalismos exigidos pela lei.

Seja para conter a força punitiva do Estado quando este acaba por sequestrar inocentes ao seu domínio, ou mesmo para garantir uma defesa técnica – a qual todos, indistintamente, têm inegável direito – para réus culpados, os patronos precisam, nem que subjetivamente, olhar para o dispositivo constitucional pensando em critérios qualitativos de sua leitura: “o (bom) advogado é indispensável à administração da justiça”.

Exemplos concretos – e reais – talvez auxiliem na materialização da importância de uma atuação diligente dos advogados: o réu, quando interrogado em plenário, afirmava com convicção que não estava na cena do crime no momento do fato, mal tendo certeza sobre ter ouvido os disparos que mataram uma pessoa a algumas quadras do local onde se encontrava.

O defensor dativo, demonstrando que não havia conversado com seu cliente, nem mesmo ouvido o que o mesmo acabara de dizer durante o interrogatório, afirmou que o mesmo estava sim na cena, mas que sua participação tinha sido de menor importância.

Os membros do Conselho de Sentença, quase que num gesto ensaiado, franziram a testa e passaram a olhar com desconfiança tanto para o advogado, quanto para o réu, que nem pareciam estar falando sobre o mesmo acontecimento.

O resultado não foi surpresa ao espectador minimamente atento: os jurados acompanharam a tese da promotoria, e o réu acabou condenado a quase 20 anos de prisão. E a análise aqui feita não chega nem a adentrar o mérito da questão, sobre o fato de ser o acusado de fato culpado ou não.

O que precisa ser tomado em conta é o descompasso entre as narrativas do réu e de seu defensor, que foi um dos pontos decisivos para que o destino daquela pessoa restasse sentenciado pelas próximas duas décadas.

O “advogado perfeito” não precisa ser um super-herói imbatível, que ganha todas as causas em que atua e consegue convencer a qualquer um de que 2+2 são 5, se isso for o necessário para garantir a liberdade de seu cliente. Justamente ao contrário, o melhor advogado criminal é aquele mais humanizado.

Que, por óbvio, domina com maestria as ferramentas técnicas das quais precisará para realizar uma boa defesa, mas que também é capaz de se colocar no lugar de seu cliente, o qual se encontra em uma posição de flagrante vulnerabilidade e hipossuficiência.

E essa postura pautada na empatia deve guiar a atuação do advogado em todas as frases do processo. Seja nas conversas com o réu, buscando entender genuinamente os motivos que o levaram a tal situação e lhe passando segurança de que fará o possível para buscar um julgamento justo, ou mesmo lutando com todos os seus recursos ao longo dos peticionamentos e das defesas em plenário, defendendo sua tese com unhas e dentes.

O Iuris Trivium, de modo específico, costuma sentir na pele as dificuldades de trabalhar com processos mal acompanhados pelos respectivos patronos.

Nas competições, estudamos casos reais – nos quais já houve trânsito em julgado – e ficamos em um dos polos, alternando nossa missão entre ora pugnar pela condenação, ora sustentar a absolvição.

A Universidade Federal do Paraná, por uma tradição forçada pelo destino – vez que a divisão entre promotoria e defesa é sempre feita por sorteio –, costuma ser a responsável pela defesa de réus acusados de praticar crimes dolosos contra a vida.

E enquanto nos esforçamos para dar conta de todas as informações juntadas ao processo, numa tarefa que vai de desvendar laudos médicos de caligrafia ilegível, até degravar longos depoimentos colhidos na fase de instrução e julgamento, o que percebemos é que, muitas vezes, réus acabam sendo condenados por pura falta de sensibilidade dos advogados que atuaram no processo.

Seja por não ter requerido uma prova específica que alteraria todo o desfecho do caso, ou mesmo por não ter analisado o conjunto probatório de modo minucioso, omitindo informações que seriam vitais, júris são perdidos e acusados que poderiam ter recebido resultados muito mais justos acabam tendo essa chance destruída.

Tanto esta análise é verdadeira que, não raras vezes, o resultado dos júris simulados é distinto daquele obtido na “vida real”. Um sujeito antes condenado acaba, na simulação, sendo absolvido, não por nenhum efeito místico, mas pela dedicação das pessoas que atuaram na reprodução do julgamento.

É inegável que as dificuldades são muito maiores na atuação real do que na análise acadêmica de processos. Advogados são nomeados de última hora, muitas vezes nas fases finais do processo, ou a defesa é de responsabilidade da defensoria pública, que apesar de no mais dos casos realizar um grande trabalho, sofre com um grande contingente de processos, o que faz com que os defensores mal tenham tempo de analisar detidamente os autos.

Mas por outro lado, também não se pode negar que no processo penal, se está lidando com vidas, que terão seus cursos definitivamente marcados, seja por um resultado negativo ou positivo.

Assim, mesmo que os recursos técnicos ou temporais sejam escassos, é imprescindível que o advogado dê tudo de si, trabalhando em cada caso como se fosse o último, como se fosse sua própria liberdade em jogo.

Sobre esse tema, os relatos possivelmente mais ricos e brilhantes são de autoria de Alexandra Lebelson Szafir em seu livro “Descasos – Uma advogada às voltas com o direito dos excluídos”, que possui dois volumes.

Na obra, a autora narra comoventes histórias de suas atuações, muitas vezes na qualidade de advogada pro bono, em casos diversos, que muitas vezes acabavam resolvidos pela simples boa vontade da advogada, que com providências simples – como apenas informar o endereço correto de um réu, para possibilitar sua progressão ao regime semi-aberto – transformava vidas.

A leitura é extremamente recomendável, e quase que indispensável a todos os juristas, especialmente aos que ainda se encontram na academia, que estejam em busca de um sopro de inspiração em suas militâncias no direito penal.

O advogado que de fato cumpre sua missão constitucional é aquele que trata de seus casos de maneira humanizada e com olhar crítico.

É preciso ter como clara a noção de que o devido processo legal – enquanto garantia substancial, e não meramente formal – é uma das mais importantes concretizações do princípio da dignidade da pessoa humana, que por sua vez, é o pilar fundamental de qualquer Estado que aspire se dizer democrático.

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Escrito por: Mariana Valentim

Fonte: Canal Ciências Criminais