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Excelentíssimo senhor presidente desta egrégia câmara, nobre relator, senhores desembargadores, senhor representante do ministério público, senhores serventuários, nobres colegas advogados, senhoras e senhores: neste mês o paciente completa um ano em prisão cautelar.

Nesse tempo, o inquérito policial foi concluído, a ação penal esgotou absolutamente toda a instrução, sobreveio decisão de pronúncia que, pela própria natureza (materialidade e autoria), não obstante a potencialidade da tese defensiva que, realmente, merece o melhor palco do tribunal do júri, e com meras repetições e supostos fundamentos da prisão preventiva, manteve-a nos precisos critérios da garantia da ordem pública, da preservação da instrução criminal e da garantia da aplicação da lei penal.

Pois bem, senhor presidente, nobre relator, senhor vogal. Gostaria de comentar esses três pontos da preventiva que ainda injustamente persiste.

1) Ordem pública

Convenhamos: ninguém sabe o que é ordem pública. O legislador não soube definir. O magistrado repetiu o texto normativo sem saber o alcance de seu sentido. O tribunal, e eu me refiro aos tribunais de maneira geral, como esta própria corte, têm confundido ordem pública com o espetáculo da comoção social.

Em nome de uma ordem pública ininteligível, tola e sem sentido, prendem desmedidamente, diretamente de seus confortáveis gabinetes com ar condicionado, muitas vezes sem sequer haver uma vez na vida sentido o cheiro do cárcere.

Senhor relator: eu defino ordem púbica. E ela não é nada mais que um clima de tensão e medo insuflado por esses toscos programas de TV que atravessam dia e noite às famílias a máxima do bandido bom.

Ordem pública é essa criação espetaculosa da mídia comprometida com um status de segurança que ela própria ajudou a deturpar.

Ordem pública é a imperiosa crença popular, midiática, policialesca, ministerial e judiciária que, diante do crime “chocante”, ganha a plausibilidade de haver abalado a sociedade, num íntimo arquetípico moldado pelo inconsciente coletivo que clama por justiça.

Quando, portanto, se sabe o que é ordem pública, não se prende.

E se vossas excelências compreenderem esse conceito, ou esse não-conceito, é certo que ultrapassarão esse critério “ordem pública” para devolvê-lo ao seu lugar devido, qual seja, os programas falaciosos de TV que nada têm com a ciência jurídica que construímos nos tribunais e na melhor doutrina jurídica.

2) Instrução criminal

A preservação da instrução criminal se direciona, evidentemente, à coleta das provas em ação penal. É verdade que o acusado pode, no curso da ação penal, contatar testemunhas, manipular a cena do crime, alterar, fabricar ou destruir documentos (muito embora qualquer um, a seu pedido, também possa fazê-lo).

Essa disponibilidade, em tese, autorizaria sua segregação cautelar. Todavia, no caso concreto, está visto que a instrução já findou. Todas as provas foram coletadas sem mácula. A pronúncia está posta. Resta apenas o trânsito em julgado e a preparação para o júri. As provas que serão utilizadas em plenário já estão nos autos.

Ademais das providências dos artigos 422 e 479, o resto é mero complemento não substancial às provas resguardadas nesse critério da preventiva. Nada, nunca, tão relevante quanto o que já fora posto em instrução. Os depoimentos em plenário, por sua vez, não poderão estar distantes dos já compilados em instrução.

Se a testemunha mentiu na audiência de instrução, mudando versão aqui em plenário, responderá por falso testemunho naquela ocasião; se mentiu aqui, alterando versão posta anteriormente em instrução, responderá por falso testemunho aqui em plenário do júri.

Portanto, encerrada a instrução, mediante abertura de prazo para alegações finais antes mesmo da decisão de pronúncia, não mais subsiste esse critério “preservação da instrução criminal” para manutenção de prisão preventiva. Qualquer prisão preventiva nesse sentido será irregular, ilegal.

3) Aplicação da lei penal

Esse critério é mais tolo e injusto que a famigerada e indefinida garantia da ordem pública.

Prender para garantir a aplicação da lei penal, ou seja, para garantir que o acusado, se e quando condenado, não se furte ao cumprimento da pena (em regime que, aliás, pode ser mais vantajoso que o fechado agora cumprido preventivamente), é determinar uma certa culpabilidade antecipada.

Raciocínio inverso merece ser feito: e se o acusado for absolvido? O que teria justificado a prisão cautelar no critério da “garantia da aplicação da lei penal”?

Pois bem, senhores desembargadores, os três requisitos da prisão preventiva não conseguem subsistir no caso concreto. Qualquer decisão, qualquer argumento que ainda tente fazer valer um único dentre os três critérios da preventiva será decisão ou argumento ilegal e descabido.

Nem será necessário adentrar ao contexto fático. A uma, porque sabemos que isso não se faz em sede de HC; a duas, porque o âmbito de análise fática será, evidentemente, o tribunal do júri. Por essa razão, é de se estancar, finalmente e definitivamente, qualquer retomada do caso em comento, no que tange a sua estrutura fática.

Nesses termos, senhor presidente, nobre relator, demais desembargadores, é o presente para requerer a concessão da ordem, nos termos do pedido. Agradeço pela atenção.

 

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Escrito por: André Peixoto

Fonte: Canal Ciências Criminais