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O cerceamento de defesa destrói o próprio processo penal. O que diferencia o processo penal de meios irracionais de punição é a possibilidade de que a defesa tenha chances reais de influenciar o julgador. Sem defesa potencialmente efetiva, o processo penal seria apenas quimera.

Na visão defensiva, a inviabilização de qualquer estratégia ou tese é, por si só, um cerceamento de defesa. Em um juízo de proporcionalidade, a liberdade deve preponderar em relação a qualquer prazo legal previsto contra a defesa. Noutros termos, partindo de uma interpretação que priorize a Constituição, sobretudo o contraditório, a ampla defesa e a presunção de inocência, é imperativo que a defesa tenha ao seu dispor todos os meios possíveis para demonstrar sua versão dos fatos. Assim, a amplitude da defesa deve ser o ponto nodal para a interpretação das regras previstas no Código de Processo Penal.

Por outro lado, a acusação não pode violar as normas previstas na Constituição Federal e na legislação processual penal, sob pena de haver uma inegável contradição. A questão é simples: se o Estado (legislador) instituiu as regras para que alguém seja legitimamente processado no âmbito criminal, não pode o Estado (acusação) violá-las deliberadamente.

Entre as situações mais corriqueiras, o indeferimento da juntada intempestiva do rol de testemunhas do acusado é um dos casos mais evidentes de cerceamento de defesa. Essa hipótese ocorre com grande frequência nos casos em que a defesa é realizada pela Defensoria Pública, que nem sempre tem contato com o acusado no momento de elaborar a resposta à acusação.

Situação semelhante ocorre quando Magistrados indeferem o pedido de oitiva de alguma testemunha utilizando como fundamento o fato de que a defesa não expôs o que pretende provar por meio dessas testemunhas. Infelizmente, essa prática tem ocorrido em várias comarcas do país.

Ora, exigir que a defesa exponha no processo aquilo que pretende provar com a oitiva das testemunhas arroladas – se são abonatórias ou prestarão depoimento sobre o fato – é conceder uma indevida vantagem à acusação, cerceando, por conseguinte, a defesa.

Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça julgou um caso que apresenta duas questões relacionadas ao cerceamento de defesa, afastando ambas:

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PENAL E PROCESSUAL PENAL. TRIBUNAL DO JURI. CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. PRESENÇA DA DEFESA TÉCNICA. POSSIBILIDADE DO MAGISTRADO DE INDEFERIMENTO DE PROVA. PREVISÃO LEGAL. INEXISTÊNCIA DE NULIDADE. REVISÃO DA PENA. NECESSIDADE DE REEXAME FÁTICO-PROBATÓRIO. ÓBICE DA SÚMULA N. 7/STJ. AGRAVO DESPROVIDO.

1. A norma processual penal faculta à testemunha que se sentir constrangida, humilhada ou atemorizada com a presença do acusado, a depor sem sua presença, não caracterizando tal ato cerceamento de defesa eis que presente a defesa técnica.

2. A faculdade de o Magistrado indeferir, de forma fundamentada, a produção de provas que julgar protelatórias, irrelevantes ou impertinentes estende-se aos feitos de competência do Tribunal do Júri.

[…]

4. Agravo regimental desprovido.

(AgRg no AREsp 606.731/SP, Rel. Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 13/06/2017, DJe 28/06/2017)

No primeiro ponto, o STJ entendeu que não há cerceamento de defesa na retirada do réu da sala de audiência para que uma testemunha deponha. Para o STJ, a presença da defesa técnica é suficiente. Desconsidera-se, portanto, a importância da autodefesa, consubstanciada no direito de presença do réu na audiência.

De forma atrapalhada, alguns Magistrados determinam que seus servidores perguntem às testemunhas, ainda no corredor do fórum, se preferem depor sem que o réu esteja presente. Ora, essa pergunta é descabida. Quem não gostaria de depor com um número reduzido de pessoas na sala de audiência? Alguém gostaria de fazer acusações na frente do próprio acusado? Com esse procedimento – que nem sempre é impugnado por Advogados inexperientes – cria-se uma automática retirada do réu da sala de audiências, o que evidentemente constitui cerceamento de defesa.

Quanto ao segundo ponto, o STJ entendeu que o Juiz pode indeferir provas que considerar protelatórias, irrelevantes ou impertinentes, inclusive nos processos de competência do tribunal do júri.

O que seria irrelevante para um processo que será julgado por jurados que não precisam fundamentar suas decisões? Como definir a impertinência de algo, se os jurados podem absolver por convicções religiosas, filosóficas, políticas, por clemência ou por terem alguma empatia em relação ao réu?

Novamente, admitir que um Magistrado indefira provas postuladas pela defesa utilizando como fundamento a irrelevância ou a impertinência dessas provas é cercear descaradamente a defesa, considerando que o Advogado precisaria expor o que pretende provar com os depoimentos das testemunhas, adiantando a versão defensiva para a acusação.

Além disso, especificamente no caso dos processos de competência do tribunal do júri, o Juiz togado que indeferisse a produção de provas com base nesses argumentos estaria tolhendo a competência julgadora dos jurados, reduzindo as chances de que a defesa utilize alegações extrajurídicas para a absolvição.

Escrito por: Evinis Talon
Fonte: Jusbrasil