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Matar alguém, diferentemente do que pensa o senso comum, pode muitas vezes não ser crime.

Conforme vínhamos anotando (no primeiro e segundo post), a ausência de culpabilidade exclui o crime. Neste contexto, a dinâmica do Direito Penal aponta as quatro últimas hipóteses.

X – Coação moral irresistível: Damásio de Jesus conceitua a coação como o emprego de grave ameaça contra alguém, no sentido de que realize um ato ou não[1]. Sempre que houver uma grave ameaça, sendo ela irresistível, coagindo a vítima a cometer um fato típico e ilícito, esta não responderá pelo crime e sim o autor da coação. Ainda que exista um resquício de vontade do agente, o Código Penal o isenta de pena por afastar a exigibilidade de conduta diversa. Também existe a coação física irresistível (vis absoluta), que não será analisada por ser irrelevante no campo prático. Diz o art. 22 do Código:

Art. 22 – Se o fato é cometido sob coação irresistível ou em estrita obediência a ordem, não manifestamente ilegal, de superior hierárquico, só é punível o autor da coação ou da ordem.

Imaginemos a situação de um segurança particular que trabalha para um político, o profissional chega em casa e se depara com sua família rendida por sequestradores, opositores do político. Estes exigem que ele volte e mate o político para quem trabalha por ter fácil acesso a ele ou sua família será morta. O segurança, diante de tal intimidação, acaba por não ser capaz de resistir e mata o seu empregador, nesse caso, não seria curial o segurança responder por homicídio ainda que tenha cometido, pois, não havia livre vontade e não se poderia exigir que agisse de outro modo diante de tais circunstâncias. Há julgados no STJ e STF nesse sentido: STJ, REsp 5.329-0/GO e HC 62.982-2.

Vale ressaltar que, se a coação for resistível, o coagido também responderá, mas com uma atenuante genérica (art. 65, III, c).

XI – Estrita obediência hierárquica: A parte final do art. 22 fala acerca da obediência hierárquica.

13 hipteses em que se pode matar e no ser punido - Parte final

Ocorre quando há uma ordem dada por um superior a um subalterno, esta obediência só cabe nas relações de direito público, pois decorre do poder hierárquico da Administração. Necessita de alguns requisitos para se configurar:

a) Ordem de superior hierárquico;

b) Ordem não manifestamente ilegal;

c) Cumprimento no estrito limite da ordem.

Dever-se-á notar que a ordem deve ser não manifestamente ilegal, levando em consideração que a lei se dirige ao homem médio, a ordem deve conter uma ilegalidade de difícil percepção. Nélson Hungria adverte ainda que, se deve aferir o tempo que o agente teve para refletir entre a ordem e a ação. O ínclito autor exemplifica o caso perfeitamente:

O soldado de polícia, por ordem do comandante da escolta, mata com um tiro de fuzil, supondo agir por obediência devida, o criminoso que tenta fugir […][2]”.

Se for manifestamente ilegal, tanto quem deu a ordem quanto quem acatou respondem pela infração penal, porém, quem recebe a ordem responde com atenuante genérica (art. 65, III, c).

XII – Embriaguez acidental completa: Deve-se ter cuidado ao citar essa hipótese, não se trata simplesmente da pessoa que, sob estado de ebriez, pratica delitos e usa o subterfúgio da embriaguez a fim de eximir-se da pena. O Artigo 28, 1º do Código Penal trata da situação do indivíduo que, por caso fortuito ou força maior, ou seja, algo imprevisível e inevitável, se encontra em estado de embriaguez completa, totalmente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. Nesta eventualidade, o agente não responde por nenhum crime que praticar.

É o caso da pessoa que, desconhecendo efeito de medicação que está ingerindo para o sistema nervoso, sem saber que isso o fará perder completamente o poder de compreensão sai a dirigir, atropela e mata alguém. Um exemplo que os livros mais antigos trazem é o do “boa noite cinderela“, no qual se adicionava, de forma oculta, uma substância na bebida de alguém que resultava na intoxicação aguda. Atualmente, um exemplo mais comum seria o das drogas sintéticas como speed e LSD. O Diploma Legal considera, além do álcool, o éter, a morfina, o clorofórmio e quaisquer outras substâncias entorpecentes.

A lei brasileira, no Código Criminal do Império de 1830 não reconhecia o estado de embriaguez acidental completa, não absolvendo quem cometia algum delito nessa situação. A partir do Código Penal da República de 1890, passou-se a reconhecer como causa de exclusão de culpabilidade.

A lei penal ainda prevê que se o agente estiver em estado de embriaguez fortuita incompleta, poderá ter a pena reduzida de um a dois terços.

Já nas hipóteses da embriaguez preordenada, ou seja, quando o agente ingere substância com o escopo de praticar um crime, seja para ter uma “coragem” momentânea ou indiferença moral quanto aos atos a pena será agravada, como rege o art. 61, II, l.

Prova da embriaguez: Por óbvio, este estado deve ser provado. O sistema processual penal admite qualquer forma de prova, contudo, três se destacam: exame laboratorial, exame clínico e prova testemunhal.

XIII – Surdos-mudos: Talvez o caso mais controverso seja o dos surdos-mudos. A doutrina traz a possibilidade do surdo-mudo ser isento de pena se a deficiência o fizer incapaz de querer e entender, colocando-o dentro do rol das pessoas com desenvolvimento mental retardado (quando a idade mental não coincide com a cronológica) diante da inerente falta de capacidade de comunicação. Logo, se um surdo-mudo, se sente ameaçado e mata alguém em condições em que não seja possível para ele entender o caráter ilícito do fato, é isento de pena. Nesse sentido entendem: Fernando Capez[3], Guilherme de Souza Nucci[4], Damásio de Jesus[5], Cleber Masson[6] e Victor Eduardo Rios Gonçalves[7].

Porém, Rogério Greco adverte: “[…] é preciso ressaltar que os surdos-mudos, nos dias de hoje, como regra, têm uma vida basicamente igual à daqueles que não possuem a deficiência da surdo-mudez. A possibilidade de entender e fazer-se entender já não permite alocar os surdos-mudos na categoria de pessoas com desenvolvimento mental incompleto ou retardado[8]”.

Por fim, chega-se ao entendimento que apesar de o homicídio ser infração penal, nem sempre aquele que o praticar será punido e, às vezes, ato nem será considerado crime, ainda que mate uma pessoa. Tudo depende das circunstâncias. Destarte, é de grande valor o ensinamento de um egrégio filósofo que dizia:

“[…] a “natureza pecaminosa” do homem não é um fato, mas apenas a interpretação de um fato[9]”. Friedrich Nietzsche

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Escrito por: João Antonio Rocha

Fonte: Jusbrasil


REFERÊNCIAS:

[1] JESUS, Damásio de, Direito Penal Vol. 1 – Parte Geral. ed. 35. – São Paulo: Saraiva, 2014, p. 389.

[2] HUNGRIA, Nélson. Comentários ao Código Penal. 5. Ed. – Rio de Janeiro: Forense, 1977, v. 1, t. II, p. 262.

[3] CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: Parte Geral. 19. Ed. São Paulo: Saraiva, 2015. V. 1. P. 325.

[4] NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de direito penal — 12. Ed. — São Paulo: Forense, 2016, p. 291.

[5] JESUS, op. Cit., p. 396.

[6] MASSON, Cleber. Direito penal esquematizado – Parte geral – vol.1. 9. Ed. – São Paulo: MÉTODO, 2015. P. 559.

[7] GONÇALVES, Victor Eduardo Rios, Direito Penal Esquematizado – Parte Geral. 5 ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 460.

[8] GRECO, Rogério. Direito Penal Vol. 1 – Parte Geral. 18. Ed. – Niterói: Impetus, 2016, p. 498.

[9] NIETZSCHE, Friedrich. Genealogia da Moral – Uma Polêmica / Friedrich Nietzsche; tradução, notas e posfácio Paulo César de Souza. Ed. 7. – São Paulo: Companhia das Letras, 2015. P. 110.