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Em 23 de agosto de 2006, foi sancionada a Lei nº 11.343, que revogou as Leis 6.368/76 e 10.409/02. A nova lei, vulgarmente conhecida como “lei de tóxicos” ou de “Lei de Drogas”, trouxe inovações significativas para o combate a disseminação de entorpecentes. É importante frisar, que nem todo entorpecente é ilícito. As substancias ilícitas são regulamentadas pela portaria do 344/98 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA.

A Lei nº 11. 343, institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas Sobre Drogas (SISNAD). O mencionado sistema tem como principais finalidades articular, integrar, organizar e coordenar atividades como o fito de prevenir o uso indevido de drogas e reinserir o usuário e dependente químico no meio social, bem como a repressão a produção não autorizada e do tráfico ilícito de drogas (art. 3, incisos I e II).

O SISNAD possui alguns princípios, sendo eles: o respeito a direitos fundamentais, à diversidade, a promoção de valores éticos, a responsabilidade compartilhada e outras, sendo todos previstos no art. 4 da lei.

O capítulo I da mencionada lei, institui uma serie de “atitudes” para prevenir o tráfico e disseminação de ilícitos. Ocorre, porém, que tais “hipóteses de prevenção” são, pelo menos atualmente, pouco efetivas no combate ao tráfico. Inclusive, são também ineficazes em reinserir e recuperar aquele indivíduo que é dependente da substância ilícita.

Ainda hoje, pode-se dizer que uma das maiores controvérsias no que diz respeito às substâncias ilícitas é na aferição entre usuário e traficante. Em verdade, raramente, alguém que é pego com qualquer tipo de droga ilícita, mesmo que em pequena quantidade, é considerado meramente um usuário.

O certo é que todo indivíduo que eventualmente tenha em sua posse qualquer substância ilícita, será, pelo menos até sentença de mérito, considerado traficante. Mas questiona-se, como fica a presunção de inocência? Bem, esta, no atual ordenamento jurídico e, principalmente quando diz respeito a um crime equipado a hediondo (será abordado mais à frente), praticamente não existe.

Inclusive, na própria sentença de mérito, dificilmente se leva em consideração a natureza e circunstâncias da apreensão da droga (art. 42). É incontroverso que o Magistrado deve procurar aferir a finalidade da droga apreendida com o agente, sendo que apesar de o delito do art. 33 da lei de tóxicos ser do tipo plurinuclear, isto é, que possui vários verbos do tipo incriminador, este em muito se assemelha com o art. 28. Da lei de drogas. Como já frisado, deve-se apurar a finalidade da droga.

No caso do artigo 33, a substância ilícita é destinada ao tráfico em si, ou seja, ao fim especifico do tráfico ou mercância, enquanto que na hipótese do artigo 28, o agente possui a droga com a finalidade especifica do consumo, melhor, para o consumo próprio. É importante frisar, que a mera condição de usuário não afasta o tráfico quando o indivíduo além de possuir a droga para consumo próprio ainda a oferece ou vende a terceiros.

Então, como se vê a problemática é extensa. Pergunta-se: quais elementos o juiz pode utilizar para aferir a finalidade da droga? A doutrina entende que para melhor aferir se o agente é apenas usuário ou se é um traficante seria a presença de alguns elementos essenciais que compõe o delito de tráfico. Tais elementos podem ser embalagens pequenas, balança de precisão, dinheiro trocado, fracionamento e quantidade da substância, além de outros elementos que podem compor o delito no caso concreto.

Infere-se, portanto, que na ausência de quaisquer outros elementos que indiquem o tráfico de ilícitos, o indivíduo deveria ser absolvido pelo crime de tráfico. Sim, essa deveria ser a lógica. Ocorre que esse é o pensamento lógico que emana do sistema jurídico. Contudo, a realidade jurídica em que vivemos é diferente. No “mundo real” os Magistrados se atem tão somente a materialidade do delito, como se nesse caso a materialidade do delito do artigo 33 não fosse igual àquela do artigo 28.

Se olvida, que para se configurar o tráfico, não basta a mera materialidade (substância) e autoria, deve-se apurar, precipuamente, a finalidade, que por sua vez pode ser aferida por meio da percepção dos elementos que compõem o delito, denominados pela doutrina como elementos subjetivos do delito de tráfico.

Continuando, no que diz respeito a classificação do delito de tráfico ou mesmo do de uso entorpecentes, estes são, como já mencionado, do tipo plurinucleares comportando, portanto, vários verbos nucleares como condutas típicas.

Outra peculiaridade do delito de tráfico é que este é equiparado a um delito hediondo. Apesar de não estar expressamente previsto no art. 1º da Lei de Crimes Hediondos, o art. 2 da mesma lei o equipara com se o fosse. Assim, o delito de tráfico possuí os mesmos efeitos dos delitos de crimes hediondos, como por exemplo: a concessão do direito de progredir de regime somente após cumprimento de 2/5 da pena e se for reincidente somente após o 3/5.

Nos casos de delitos hediondos ou a estes equiparados, o art. 2 da Lei nº 8.072/90 estabelece que a pena destes delitos iniciará, obrigatoriamente, em regime fechado. Ocorre, porém, que o Supremo Tribunal Federal (STF), sumulou entendimento de que para efeitos de progressão de regime deveria ser observado o entendimento da inconstitucionalidade do referido artigo (Súmula vinculante nº 26).

E mais, em sede de controle concentrado, declarou a inconstitucionalidade da necessidade de imposição de regime de cumprimento de pena fechado (STF, HC N. 111.840). Nesse caso, ao fixar o regime de cumprimento de pena, o Magistrado não deve levar em consideração tão somente o cometimento do delito, mas sim as circunstâncias judiciais do art. 59, do CPB e observância criteriosa do art. 33 do mesmo códex legal.

Ademais, deve-se levar em consideração, ainda, o entendimento das súmulas do STF de números 718 e 719, que afirmam, respectivamente:

A opinião do julgador sobre a gravidade em abstrato do crime não constitui motivação idônea para a imposição de regime mais severo do que o permitido segundo a pena aplicada.

A imposição do regime de cumprimento mais severo do que a pena aplicada permitir exige motivação idônea.

Dito isso, pergunta-se: É possível a fixação de regime de cumprimento de pena em regime fechado no caso de crime de tráfico? Sim, desde que haja a devida fundamentação, não bastando a mera gravidade abstrata do delito, mas sim a presença de motivos idôneos que justifiquem sua imposição em conformidade com os artigos 33 e 59 do Código Penal.

É comum que o juiz fixe a pena no mínimo legal, mas imponha regime mais gravoso do que o quantum da pena permite. Nesse tipo de situação, o Superior Tribunal de Justiça sumulou entendimento de que é vedado esse tipo de situação (Súmula 440, STJ).

É necessária argumentar, ainda, que no momento da fixação da pena, nos casos de crime de tráfico, o Magistrado deve levar em consideração a natureza da droga, a quantidade, a personalidade e conduta social do agente (art. 42, da Lei de Drogas), tudo isso em consonância com o art. 59, do CPB.

É importante destacar que o § 4º, do art. 33, da lei de toxico, traz a figura do chamado tráfico privilegiado. Dispõe o mencionado parágrafo que para aquele indivíduo que é primário, possui bons antecedentes e não se dedica a atividades criminosas, poderá ser-lhe reduzida a pena entre 1/6 a 2/3. Nesse caso, trata-se de direito subjetivo do acusado. Assim, se este estiver dentro da hipótese de cabimento da benesse o Magistrado deve aplica-la.

Ainda sobre o art. 33, o parágrafo segundo deste tipifica também como delito, o ato instigar, induzir ou auxiliar alguém ao delito ao uso de drogas. Nesse caso, infere-se que a conduta típica se consuma simplesmente em induzir, instigar ou auxiliar o indivíduo a consumir drogas. A pena varia de 01 (um) a 03 (três) anos mais multa.

Outra figura típica interessante é a do parágrafo terceiro do artigo 33, tal parágrafo tipifica como crime aquele indivíduo que oferece, eventualmente, e sem objetivo de lucro, drogas para alguém de seu convívio. Nesse caso, temos um tratamento diferente para delito de tráfico. Aqui o legislador quis tipificar tal situação de forma menos gravosa, pois, apesar de em tese ter ocorrido o delito do caput do 33, neste tipo de situação o legislador atribuiu uma menor pena aquele que “oferece”, eventualmente e gratuitamente, drogas para alguém de seu convívio, com pena entre 06 (seis) meses e 01 (um) ano.

Após o explanado, algo relevante a ser suscitado é quanto à possibilidade de tráfico em sua modalidade tentada. Há fortes divergências na doutrina. Entende-se que é possível, desde que seja em sua modalidade “adquirir”, ou seja, quando o indivíduo tenta adquirir a droga para traficar e não a consegue por circunstâncias alheias a sua vontade, incidindo, nesse caso, a causa de diminuição de pena do art. 14, inciso II, do CPB.

Contudo, mesmo na hipótese de o verbo “adquirir” o STJ entende que a mera avença, digo, após o acerto da entrega do ilícito, o crime de tráfico no tipo “adquirir” se consuma. Então, é possível o tráfico tentado, mas tal hipótese deve ser aferida no caso concreto

O art. 34 da lei de tóxicos, tipifica que comete crime aquele indivíduo que fabrique, forneça, mesmo que gratuitamente, maquinário, aparelho, instrumento ou qualquer objeto que seja destinado para a fabricação, produção ou transformação de drogas. Ou seja, aquele agente que pratique qualquer das ações mencionadas acima, incorrerá na figura típica do art. 34.

Outro delito muito comum também tipificado da lei de drogas é aquele previsto no art. 35 da Lei nº 11.343/06, qual seja, o delito de Associação Para o Tráfico. O mencionado artigo dispõe que ocorre o delito de associação para o tráfico quando dois ou mais indivíduos se dispuserem, de forma reiterada ou não, a praticar os delitos previstos nos artigos 33 e 34 da lei de drogas.

É importante fazer algumas ressalvas. A primeira delas é que por mais que o caput do art. 35 afirme que se comente o delito de associação através de “prática reiterada ou não [..]” a jurisprudência é pacifica em entender que para se configurar o delito de associação é essencialmente necessária a estabilidade da associação, não bastando a mera e eventual associação entre indivíduos.

Portanto, para se configurar o delito de associação para o tráfico se exige que os indivíduos possuam um vínculo estável e permanente com a finalidade especifica de cometer qualquer dos delitos dos artigos 33 ou 34.

Outra ressalva diz respeito a hipótese do parágrafo único do art. 35, que diz que também comente o delito de associação aquele indivíduo que se associa de forma reiterada para financiar o tráfico.

Após tal explanação, questiona-se: somente comete o delito de associação aquele agente que prática as figuras típicas dos artigos 33, 34 e 35? Em tese, pode-se dizer que sim. Contudo, nada obsta que no caso concreto aqueles indivíduos que corroboram, mesmo que indiretamente, com alguns dos tipos penais do art. 33, 34 ou 36 pode ser condenado pelo crime de associação. Por exemplo, aquele indivíduo que solta rojões para avisar aos traficantes a chegada da polícia.

Portanto, esse agente, em tese, comete o delito de associação para o tráfico, mesmo que não o tenha praticado, pelo menos não diretamente, quaisquer dos crimes dos artigos 33, 34 e 36, da Lei de Drogas.

Essas foram somente algumas breves considerações dos pontos mais relevantes da Lei de Drogas.

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Escrito por: Benício Tomaz

Fonte: Jusbrasil